Microdose de PunkYoga #11
Esses dias teve a comemoração de 100 anos da festa de São Pedro Pescador, a mais tradicional daqui de Ubatuba. O encerramento foi com um show do Renato Teixeira — que eu não sabia, mas é de origem ubatubense, como ele fala nessa entrevista gostosa na rádio Costa Azul. Confesso que, por ignorância, fui lá na festa só pra tomar um quentão e dar um close, mas acabei sendo possuído pelo show. O Renato tocou várias parcerias que ele tem com o Almir Sater, que são, basicamente, todas as modas de sucesso da novela Pantanal.
Cheguei em casa com vontade de ouvir mais, e me senti ultrajado quando lembrei que não tinha assistido ao último capítulo de Pantanal, apesar de ter acompanhado a novela inteira. Inclusive, a trilha sonora da cena que procede a morte do Seu Zé Leôncio é "Assim os Dias Passarão", uma música que arde o coração de tão bonita, e que me fez ser mais fã do Renato Teixeira.
Eles terminam esse capítulo final com a voz do próprio Benedito Ruy Barbosa, autor da versão original, falando:
O homem é o único animal que cospe na água que bebe. O homem é o único animal que mata para não comer. O homem é o único animal que derruba a árvore que lhe dá sombra e frutos. Por isso, está se condenando à morte.
Achei curioso porque é a mesma mensagem do único livro que comprei agora n'a feira do livro, da 451, "A terra dá, a terra quer", do pensador quilombola Nego Bispo. Tem um trecho que ele diz assim:
A humanidade é contra o envolvimento, é contra vivermos envolvidos com as árvores, com a terra, com as matas. Desenvolvimento é sinônimo de desconectar, tirar do cosmo, quebrar a originalidade. (...) Relacionar-se de forma original, para o eurocristão, é pecado. Eles tentam humanizar e tornar sintético tudo o que é original.”
Acho bonito como ele sequestra o sentido das palavras o tempo todo. Nesse trecho, ele usa o termo "humanizar" não como sinônimo de "tornar humano" (algo bom), mas como "antropocentrizar" (algo ruim), tipo como se fosse uma padronização do Universo tendo o ser humano como régua, o que, além de arrogante, é meio imbecil. É uma ânsia colonizadora que, quando eu vejo sendo defendida por gente da América Latina em 2023, só me faz pensar no Paulo Gustavo falando "ohhh bicha, tadinha".
O livro mostra que é possível pensar numa forma de vida na qual você não tenha sua alma sugada pelo Grande Cu do Capitalismo. Mas, ao expôr essas ideias, a gente percebe como o ser humano é idiota mesmo e que não é impossível que a humanidade se autodestrua em algum momento, dado o tanto de urubu que defende o Marco Temporal, por exemplo.
Enfim, não sei se o mundo vai acabar pelas nossas próprias mãos ou não, mas, enquanto isso, eu enfeito esse cenário horroroso com as músicas bonitas do Renato Teixeira.
O que eu andei lendo:
😬 A viúva de Gal Costa, do Thallys Braga, na piauí. Muito chato descobrir que uma das maiores vozes do Brasil tava presa num relacionamento abusivo com uma trambiqueira escrota. Esse texto é assustador em cada linha. (Me avisa se não conseguir acessar pelo site.)
😁 Decolonizando o protagonismo do techno, na newsletter Fritness, da Vivian Caccuri. A fluidez da música eletrôncia árabe contra a rigidez metálica do techno convencional.
🧐 A trama da Meta, na newsletter Plataforma, do Alexandre Aragão. O Ale é o amigo pra quem eu recorro quando quero saber alguma coisa difícil de política ou tecnologia ou músicas psicodélicas. Além de pai de gato, ele também é editor-executivo do Aos Fatos, e acabou de estrear essa newsletter ótima pra facilitar minha vida.
🤖 Realidade Virtual na terapia psicodélica: amiga ou inimiga?, no Ciência Psicodélica. Tive o prazer de editar esse texto que o Bruno de Pauw escreveu pro CP. O Bruno é o criador do podcast Relatos Psicodélicos e, nesse artigo, ele mostra que já tem gente pensando em fazer tratamentos psicodélicos com tecnologia futurista.
🙃 Saiba qual é a relação de psicodélicos com a luta por direitos da comunidade LGBTQIA+, do Marcelo Leite, na Folha. A gente esquece que os psicodélicos foram usados em terapias de conversão, a famosa "cura gay", e é preciso falar muito no assunto — aliááás, fiz uma live sobre esse tema com a antropóloga Lígia Platero, e acho que nem comentei aqui.
🫢 Alianza Impensada: Usaron Ayahuasca en la Búsqueda de los Niños Perdidos en la Selva de Colombia, no El Planteo. Gente, e essa história das crianças perdidas na floresta... "A Guarda Indígena tem capacidade organizacional, cultural e espiritual. O Exército tinha capacidade técnica e operacional, com seus navios. A combinação nos permitiu chegar ao ponto em que as crianças estavam.”
🙃 The Psychedelic Scientist Who Sends Brains Back to Childhood, da Rachel Nuwer, na Wired. Artigo muito foda explicando como foi feita a pesquisa que mostra de que forma os psicodélicos reabrem "jenelas de aprendizado" da infância. (Resumi essa história aqui no Ciência Psicodélica). Fiquei encantado pela forma como a jornalista Rachel Nuwer escreve, até mandei mensagem pra ela no instagram, e descobri, lendo essa entrevista do Inverse, que ela tem um livro sobre MDMA que se chama "I Feel Love" (melhor título inspirado na Donna Summer!). Ansioso pra ler.
🤓 Cultura estelar Tupi-Guarani. A ilustradora Maybí Machacalis ilustrou um livro de astronomia tupi, mostrando que a observação dos céus não é uma exclusividade da ciência ocidental. Ela fez uma thread linda no twitter.
Cantinho da autopromoção
Esses dias, conversei com a Bruna Benevides, que é representante da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Apesar de elogiar o Lula, ela falou que ainda tá esperando o governo fazer alguma coisa de concreto pra proteger as LGBTQIA+, no país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo. Falamos também de como o discurso feminista radical ajuda a extrema direita nessa cruzada absurda antitrans. Sinceramente, pra mim, é muito difícil entender esse discurso biológico sendo usado pra atacar pessoas e fazê-las sofrer. A conversa foi pra Conectas.
Esse mês, fiquei felissíssimo com lançamento da revista Cult de julho. Ela traz um artigo que escrevi em parceria com o professor Luis Fernando Tófoli, um dos principais pesquisadores de psicodélicos do Brasil e coordenador do grupo de pesquisa que faço parte na Unicamp. No texto, a gente explica como os psicodélicos surgiram na ciência ocidental, como eles foram proibidos e por que agora tem tanta gente achando que eles podem salvar o mundo. Já comprei vários dossiês da revista Cult no passado — a imagem que tenho da revista é a de uma senhora chique e inteligentéééérima, como uma Miranda Priestley cientista — e agora, pela primeira vez, to escrevendo pra ela. Me sinto adorável! (se não conseguir acessar o texto, me dá um toque.)
O que eu andei vendo:
VÍDEO: Black to techno, uma parceria Frieze & Gucci. Nem sou tão fã de música eletrônica assim, mas, depois de ler a newsletter da Vivian Caccuri, que indiquei aí em cima, fiquei muito curioso pra ver esse mini-doc (em inglês) sobre o surgimento do techno em Detroit.
VÍDEO: Reinaldo Azevedo entrevista Erika Hilton, no DiaCast. Poderia ser horrível, mas foi uma conversa muito esclarecedora sobre gênero, política, religião e família.
FILME: Era uma vez um gênio, no Prime Video. Filme mágico, bonito e filosófico com os maravilhosos Idris Elba e Tilda Swinton.
SÉRIE: Os outros, na GloboPlay. Essa série só escala e vai ficando tudo pior. Amei.
REALITY: Casamento às Cegas, da Netflix. Eu amo ver a ascensão e a queda da paixão hétera de forma tão bem resumida.
O que eu andei ouvindo:
ÁLBUM: Crônicas da Cidade Cinza, do Ogi. Entrevistei o Ogi pra Playboy em 2011, quando ele lançou esse álbum. E aí eu me toquei que fazia ~doze anos~ que eu não escutava essa preciosidade.
ÁLBUM: Letrux como Mulher Girafa, da Letrux. Fui tragado por esse disco lançado agora e não consigo mais sair dele.
PODCAST: Por trás do disco #38, Letrux como Mulher Girafa, no Vamos Falar Sobre Música? Pra você ver como eu quis destrinchar o álbum.
PODCAST: Maconha, entre a proibição e o hype, no Ciência Suja. Eu na estrada com meus pais, indo para Paraty, escutando sobre a legalização da maconha.
PODCAST: Nenê da Brasilândia, da Wondery. Reportagem excelente sobre a maior traficante que São Paulo já teve. Daquelas que ajudam a gente a entender a cidade e o Brasil.
PODCAST: Inventando as Regras, do Rádio Novelo Apresenta. Eu sou completamente apaixonado pelos episódios do RNA. Nesse, o Rafael Revadam conta como transformar linguagem matemática em libras.
PLAYLIST: Lakshmi e os ciganos. A playlist do último ritual de ayahuasca que participei aqui em Ubatuba é de chorar e de dançar.
A PunkYoga é uma newsletter quinzenal, que sai sempre às sextas-feiras (pelo menos, esse é o cronograma que tá na minha cabeça). Então, daqui a quinze dias, eu volto com a edição regular, aquela em que eu escrevo um texto pretensioso sobre alguma brisa cósmica.
Obrigado pelo seu tempo! Se quiser trocar uma ideia, comentar alguma indicação, me mandar um pix de 5 mil reais ou pedir texto de link com paywall, é só me responder aqui ou me achar lá no instagram.
Vai pela sombra e fica na paz de Bowie.
Com amor y anarquia,
Nathan