Microdose de PunkYoga #12
Esses dias resolvi encarar um problema que eu já vinha empurrando com a barriga há anos: o Woody Allen. Amo os filmes dele e, durante muito tempo, não quis me voltar para a triste realidade de que ele é um abusador escroto. Na minha cabeça, essa era uma história muito mal contada. Mas aí vi o documentário Allen contra Farrow, da HBO.
Além das provas de que ele abusou da filha adotiva da Mia Farrow, sua companheira, tem ainda toda sorte de escrotidão que ele fez pra manter esse assunto no sigilo e pra fazer a Mia Farrow pagar de maluca durante anos.
É difícil para um fã lidar com essa questão porque, como disse alguém no documentário, o Woody Allen é um captador de simpatia: "Ele tem um jeito de incorporar algo humano, com o qual nos identificamos extremamente. (...) Ele mostra algo que é desconfortável nele mesmo, e você se sente menos sozinho". Pois é.
Como você pode extirpar da sua vida alguém assim? Seria muito mais fácil se ele fosse claramente um vilão. Igual ao Theo, da novela Vai na Fé.
Recentemente, terminei de assistir a essa joia televisiva. Eu amei a história, adorei que retrataram um núcleo ayahuasqueiro, decorei todas músicas fictícias e me apaixonei pelo casal Ben e Sol. Ouvi esse podcast com a autora Rosane Svartman e fiquei mais encantado ainda.
Mas teve uma falha na novela que me incomodou: o vilão era tão raso quanto uma piscina do Sesc. O Theo é um empresário corrupto e invejoso, que, na juventude, abusou da mocinha, enquanto estava bêbada. Ele passa a história inteira tentando descredibilizá-la, com mentiras e chantagens. É fácil demais odiar uma pessoa odiável dessa.
"O público é muito severo com criminosos sexuais, contanto que estejam afastados e não tenham carisma", bem disse a psicóloga Anna Saltar, no documentário do Woody Allen. E faz todo sentido. Só isso explica porque, até hoje, alguém com o histórico do Woody Allen continua despertando simpatia. Mas não é só isso.
"A mesma pessoa que ama Woody Allen pode ser aquela que não consegue ficar diante de uma pintura de Picasso sem sentir náuseas. Todos somos hipócritas e, em maior ou menor grau, monstros. Essa é, gostemos ou não, uma das medidas da nossa humanidade." Eu vi essa frase em uma resenha escrita pelo historiador Gabriel Trigueiro sobre o livro Monster. E acho que é isso mesmo. Somos mesmo uns hipócritas.
Seja como for, não dá mais pra ver um filme do Woody Allen com os mesmos olhos.
🤖 A inteligência artificial está morta, da incrível newsletter Segredos em Órbita, da Vanessa Guedes. Um belo tratado literário sobre a tecnologia.
🤯 Como ayahuasca renovou tradições de indígenas do Xingu, do Marcelo Leite, na Folha. Um dos fenômenos mais interessantes da ayahuasca é o de etnias que passaram a usar o chá recentemente por causa do intercâmbio com outras aldeias.
🤓 Trecho de 'As pequenas doenças da eternidade', do Mia Couto, na Revista Gama. Nunca vi gente pra escrever tão bonito sobre um pai bêbado quanto o Mia Couto.
🤤 Na festa gay 'Dando', pegação de casal hétero faz todo mundo gozar, do Mateus Araújo, na Aba Anônima, do UOL. Ai, danada!
🤯 Com ameaças, treta entre vendedores agita mercado de 'cogumelos mágicos', do Carlos Minuano, no Tab UOL. Como é que isso pode estar acontecendo?
🤓 Como Mariana Enríquez aborda traumas da ditadura aterrorizando o mundo todo, do Walter Porto, na Folha. Ansioso pra ler "Os perigos de fumar na cama" depois de ler "Nossa parte de noite" e ficar uma semana sem dormir.
🫠 "Sinfonia" muda a percepção do dulçor no chocolate, no Jornal da Unicamp. A sinestesia é muito comum em experiências psicodélicas, mas lendo essa pesquisa descobri que, na verdade, a sinestesia é mais comum no dia a dia do que eu pensava.
🤩 Mesmo atrasado, 'Guia do Explorador Psicodélico' é útil para brasileiros, do Marcelo Leite, na Folha. Me chamaram de última hora pra mediar um debate, em SP, no lançamento desse livro que é considerado a "bíblia da microdosagem de psicodélicos". Infelizmente, não deu pra ir, mas ganhei o livro. Essa reportagem do Marcelo explica bastante coisa sobre ele.
🤩 Astrônomos descobrem um "unicórnio" cósmico: dois planetas na mesma órbita, no Inverse e na Galileu. O Universo é fascinante, não é mesmo?
Cantinho da autopromoção psicodélica
Fiquei puto com o sensacionalismo do Fantástico ao falar sobre o caso das pessoas que tiveram surtos psicóticos em cerimônias com o "sapo alucinógeno". Já é um assunto estigmatizado, é possível falar dos perigos sem criar pânico. Em vez de xingar no twitter, escrevi esse artigo no Ciência Psicodélica, explicando de onde vem essa mania da imprensa tradicional em supervalorizar notícias ruins sobre psicodélicos.
Atenção! Agora, vou contar uma coisa que provavelmente só vou contar aqui pra você: recentemente, a editora Antofágica me convidou pra escrever o posfácio de nada menos do que O Mágico de Oz, em uma edição ilustrada pelo Arnaldo Baptista. Luxo!!! Eu fiquei em êxtase profundo. A ideia era relacionar a história do Baum com a cultura psicodélica. Depois do texto feito, no entanto, disseram que seria melhor não relacionar uma história infantil com drogas :( Então, acabaram tirando o artigo da edição e publicaram no site da editora: chama "O mago e a mente" e você pode ler aqui se quiser. Apesar do imbróglio, fiquei feliz demais com o convite, continuo achando a Antofágica uma editora belíssima e amei o resultado. Que venham mais!
O que eu andei vendo
VÍDEO: Yann Tiersen, Live in Passengers, do ARTE Concert. Meus dias de trabalho ficam melhor ouvindo essa live maravihosa do Yann Tiersen tocando sua parafernália eletrônica num aeroporto vazio.
VÍDEO: Dirty Computer, um curta-metragem sci-fi da cantora Janelle Monáe. Só recentemente parei pra ver essa obra-prima do poliamor futurístico. Só me arrependi de não ter visto antes.
DOC: James Web 4k, na Netflix. Sobre a construçõa do maior telescópio que temos, coisa de louco. As imagens te deixam maluco.
FILME: Rude Boy, do The Clash, no Mubi. Primeira vez que vi esse registro do Clash no auge. Que precioso!
FILME: A Pior Pessoa do Mundo, do norueguês Joachim Trier, no Prime Video. Daquele série de filmes bonitos que te deixam meio melancólico.
VÍDEO: Conversa na rede, partículas particulares, no canal Selvagem. Tire uns minutos do seu dia para ver o Ailton Krenak e o Eduardo Viveiros de Castro discutindo sobre mito, magia e aceleração de partículas.
O que eu andei ouvindo
Mixtape: Curses. Meu lado gótico se diverte demais ouvindo esse som dark-dançante. Me acompanhou durante vários dias de trabalho nesse mês.
Álbum: "7 Estrelas/quem arrancou o céu?", da Luiza Lian. Aplaudi de pé e gritei: Artista!
Podcast: Antônio Bispo: Estado e partido são colonialistas, na Ilustríssima Conversa. Aqueles papos que você ouve e fica um pouco mais inteligente.
Podcast: Eu quero acreditar, no Rádio Novelo Apresenta. História fantástica do Victor Hugo Brandalise sobre um boato que foi longe demais.
Podcast: Caixa de ferramentas, no Rádio Novelo Apresenta. É muito difícil não indicar todos os episódios do Rádio Novelo Apresenta. Esse aqui traz a história da entrada da Star Link na Amazônia, narrada pela voz de veludo da maravilhosa Juh Faddul.
Então, é isso, pessoal! Como sabem os mais atentos, a PunkYoga, geralmente, sai de sexta-feira. Essa é uma edição excepcional de quarta-feira pré-feriado, já que não consegui soltar a edição na última sexta. Acontece.
Nos vemos daqui a quinze dias. Volto com novidades sobre a aventura radical de dez dias de silêncio e meditação que vou enfrentar.
Vai pela sombra e fica na paz de Bowie.
Com amor & anarquia,
Nathan
Se você chegou aqui através de um link, deve tá pensando: "Como eu assino essa newsletter maneira?". Ora, é só deixar seu e-mail aqui. E dá pra ler as edições anteriores aqui também. Se não curtiu e tá aqui lendo esta última linha, admiro sua capacidade de autoflagelação.