Microdose de PunkYoga #13
Retornando depois de uma breve pausa na carreira pra falar de terror gótico, ditadura chilena, alienígenas sinceros e casamentos indianos.
Fazia tempo que eu não engatava numa série a ponto de ver tudo em dois dias. Aconteceu com a A queda da casa de Usher, da Netflix, que eu sabia que precisava conferir desde que li a respeito dela meses atrás. Valeu cada segundo. A forma como eles misturam terror gótico com crítica à indústria farmacêutica é inteligente, e as mortes brutais são tão criativas que a gente consegue enxergar beleza até em chuva de ácido sulfúrico caindo no meio de uma orgia.
Mas me interessei primeiramente porque, quando li o título, uma luz acendeu na minha memória. É o nome de um conto do Edgar Allan Poe, que faz parte do livro Histórias Extraordinárias.
Amo esse livro porque é um clásico do terror, precursor da literatura policial e tem uma escrita tão poética quanto simples. Li quando era mais moço, e lembro de ter ficado assustado e encantado ao mesmo tempo. Tanto que, na faculdade, me inspirei em um dos contos pra criar o roteiro de uma fotonovela que eu publicava com amigos na saudosa revista Offline*.
A série usou o título de um dos contos, mas se inspirou nos contos do livro inteiro. Então, qual não foi minha surpresa quando descobri que o plot da série foi baseado justamente no mesmo conto que me inspirei para a fotonovela de anos atrás?
Eu sempre gostei de terror, mas fiquei mais encantado ainda quando comecei a acompanhar as colunas do Oscar Nestarez, na Galileu. Aprendi com ele que o medo — nas mãos de gente habilidosa, como o próprio Oscar que é autor de um livro que eu gosto muito, Bile Negra — pode ser estético.
Ele escreveu um exemplo disso, uma vez, ao divulgar uma pesquisa que explicava por que fãs de terror conseguiam lidar melhor com a pandemia:
Ao temermos o maníaco assassino ou o monstro na tela ou nas páginas, temos uma oportunidade de refletir sobre sentimentos como medo ou aversão, e de praticar habilidades de regulação emocional.
Citando os autrores do estudo, ele fala que “experienciar emoções negativas em um ambiente seguro, como ocorre durante um filme de horror, pode ajudar os indivíduos a aprimorar estratégias para lidar com tais emoções e a enfrentá-las mais calmamente em situações semelhantes na vida real”.
Ou seja, se as obras de terror são um treinamento pra lidar com os horrores da vida real, então A queda da casa de Usher rende um título de doutor honoris causa a quem a assiste.
*Além de ser um fotógrafo radical, meu amigo George é um acumulador de arquivos digitais. Ele recuperou o arquivo da fotonovela que a gente fez em 2008 (!). Achei que nem existisse mais. Maior brisa nos encontrarmos 15 anos depois, me faz lembrar como eu gosto de escrever histórias. Com algum esforço dá pra ler, mas nem tente se você não quiser tomar spoiler da série.
O que eu andei lendo
🥸 Professores da Natureza, do Carlos Minuano, no UOL Ecoa. Excelente texto do editor da Psicodelicamente, sobre encontros com a curupira e os encantados da floresta.
🫨 A resistência no colchonete, depoimento da socióloga Elisabeth Vargas, na 451. Fiquei obcecado com as reportagens sobre os 50 anos do golpe militar do Chile. E esse foi um dos melhoroes textos que li.
🤓 Fichamento: Fred Di Giacomo Rocha, autor de Gambé, na 451. Curioso pra ler esse livro novo do Fred, uma ficção sobre a história da colonização do Oeste paulista.
🧐 A desumanização dos animais, editorial da fenomenal Eliane Brum, na Sumaúma, lembrando que os humanos não são os únicos seres vivos do planeta.
😍 Universo primitivo era iluminado por galáxias bebês, revela James Webb, na Veja. Não é todo dia que a gente vê uma imagem de 12 bilhões de anos atrás brilhando na nossa cara.
O que eu andei vendo
Série: Jury Duty, no Prime Video. Os criadores de The Office fizeram esse documentário fake sobre um grupo de jurados no qual todo mundo é ator menos um coitado que não entende nada do que tá acontecendo e é a coisa mais engraçada que já vi nos últimos tempos.
Filme: Tár, no Prime Video. Em Ubatuba não tem cinema, e só tinha um filme que eu queria ver mais do que ‘Barbie’ e ‘Oppenheimer’: é esse Tár, com a Cate Blanchett. Finalmente consegui, e é uma obra de arte!
Filme: Estranha Forma de Vida, no Mubi. O filme novo do Almodóvar, na verdade, é um curta-metragem que acaba de forma muito abrupta, mas pelo menos tem o Ethan Hawkee e o Pedro Pascal se beijando.
Filme: Anti-herói Americano, no YouTube. Não conhecia (e achei maravilhosa) a história do Harvey Pekar, roteirista de quadrinhos fodido que fez sucesso com o Robert Crumb.
Vídeo: Fala VJ: Astrid e Zeca Camargo, no canal Fala VJ. O Casé tá mediando encontros maravilhosos entre VJs antigos pra comemorar os dez anos do fim da MTV clássica.
Série: The Leftovers, na HBO. A série conta a história do que acontece depois que 2% da polação mundial desaparece do nada. Já é “antiga” (2014), mas todo mundo diz que é tão boa que eu resolvi começar agora.
Série: Planeta Estranho, na Apple TV. Eu tive uma surpresa maravilhosa quando descobri que essas tirinhas sinceras e engraçadas tinham virada uma animação de TV.
O que eu andei ouvindo
Podcast: Nóia de ET, do “É nóia minha”. Amo o podcast da Camila Fremder, ouço toda semana, mas esse episódio com participação do Ora Thiago e da Manu Barem (ex-editora-chefe do BuzzFeed) me fez descer a serra de Ubatuba gargalhando alto no busão.
Podcast: O caso Leandro Bossi, do Projeto Humanos. O Ivan Mizanzuk, do “Caso Evandro”, voltou pra falar da história esquecida do Leandro Bossi. É um show de apuração, mas tem que ter estômago.
Podcast: A coach, da Wondery. Eu não sei em que planeta eu tava, mas eu não conhecia a história bizarra da influencer que traficava mulheres. É o podcast novo do Chico Felitti. Vale a pena!
Podcast: Amar?, do “É Tudo Culpa da Cultura”. Eu adoro tudo que o antropólogo Michel Alcoforado faz. Nesse episódio do podcast novo, ele fala sobre como o conceito de amor nos casamentos indianos forçados.
Álbum: Aleatoriamente, do Rodrigo Ogi. Você sabe que uma pessoa é poeta quando a melhor música do disco novo dela é uma crônica angustiante e viceral sobre a impostergável necessidade de cagar na rua (“Metamorfose”).
Uma vez entrevistei o Noam Chomsky (pois é, menina, um dia eu conto essa história), e ele falou da teoria da bicicleta. A ideia é que na vida, assim como em uma bicicleta, você não pode parar de pedalar, se não cai.
Eu parei de pedalar essa newsletter quando fui fazer o retiro vipassana, em setembro, e demorei pra conseguir engatar de novo. Impressionante a força de atuação da inércia! Mas não quero chorar o leite derramado e, sim, comemorar a nova casa da PunkYoga.
Agora, estou publicando pelo Substack, reparou?
Nhé… Pra você não deve fazer diferença nenhuma, mas pra mim vai ser bem melhor.
Obrigado por não me abandonar enquanto fazia essa transição. Como em toda mudança, ainda tem bastante coisa pra arrumar, mas não repara a bagunça, hein, não seja desagradável.
Espero você daqui 15 dias (sempre às sextas), pra falar de como foi o meu retiro de DEZ DIAS de meditação & silêncio & compaixão & desespero. Foi um liquidificador Black+Decker power-turbo 2000 de emoções. Te conto na próxima…
Vai pela sombra e fica na paz de Bowie.
Com amor & anarquia,
Nathan
Conhecendo sua news agora e amando.
eu amei que vc veio pro substack! <3