PunkYoga #65: Doktor Mrok (Final)
Anteriormente…
Em Ubatuba, o Terapeuta descobriu o fio que unia a tenebrosa história do Doktor Mrok com a de Glauber. Se fosse verdade, se Glauber fosse realmente um mini-cérebro com a consciência de Mrok, ele poderia ter um fim igual ao do seu “irmão”, que se jogou do Pico do Corcovado. O Terapeuta precisava impedir.
Juro que não parei para pensar no absurdo de sincronicidades daquela história do Doktor Mrok com as coisas que eu ouvia do Glauber. A única coisa que pensei foi que ele corria perigo.
Agradeci à Vendedora com Tapa-Olho e perguntei o preço do livro. Ela me disse que custava 300 reais. Percebi que não deveria ter demonstrado tanto interesse. Após uma breve negociação, consegui comprá-lo por 150, mais a velha e pesada colher de prata que coube certinho no meu bolso.
Na rua, liguei para o Glauber. O celular não atendia. Tive que buscar o Namorado dele nas redes. Apesar de nunca ter visto a sua cara, consegui encontrá-lo e mandar uma mensagem direta. Ele avisou que o Glauber não estava em casa. Disse que havia saído, que ia me procurar. Ele estava preocupado.
Subi a serra sinuosa durante a madrugada. A cada curva, meus pensamentos escapavam para o horror da história que eu tinha acabado de ouvir. Ela ainda estava fresca na minha memória, quando cheguei no consultório, o vigésimo andar de um prédio comercial do centro.
As luzes estavam apagadas quando abri a porta do lugar e fui surpreendido. Glauber estava sentado na minha cadeira, segurando a cabeça com os dedos cravados entre os cabelos. Ao me ver, ele começou a gritar, implorando por ajuda, dizendo que não aguentava mais. Me aproximei devagar, mas ele começou a se debater violentamente, chutando tudo ao redor e me derrubando no chão. A colher de prata, que eu ainda trazia no bolso, caiu, e, no reflexo fraco da luz, o objeto brilhou nos olhos vazios de Glauber. Ele se lançou em direção ao objeto, e só percebi que ele queria arrancar os próprios olhos quando um líquido viscoso e escuro começou a escorrer de suas pálpebras.
O Glauber nunca me perdoaria, mas na hora que vi aquilo lembrei de um trecho de Mateus, na Bíblia, que dizia: “Se o teu olho é ocasião de escândalo para você, arranque-o. É melhor entrar no Reino de Deus com um olho só, do que ter os dois olhos jogados no inferno, onde o seu verme nunca morre e o seu fogo nunca se apaga”.
Não acho que os olhos do Glauber se escandalizavam com o que viam a sua frente, mas, sim, com o que viam dentro de si.
Tira de mim! Tira de mim! Ele gritava, enquanto eu arrancava a colher das suas mãos e tacava longe. Seu grito partia meus tímpanos. Quando soltei os seus braços para tapar os meus ouvidos, ele correu para longe e bateu a cabeça na parede com a maior força que tinha. Qualquer cabeça normal se espatifaria. Pelo menos um pouco. Mas a cabeça do Glauber era diferente. Ele continuou batendo. Cada vez com mais força. Até que quebrou parte do tijolo, abrindo um buraco no seu crânio. O sangue jorrava. E, mesmo assim, ele continuava se debatendo, como uma galinha prestes a ser abatida.
Até que caiu paralisado no chão.
Por um instante, parece que o tempo também parou. Tudo ficou congelado. Mas a calmaria que se abateu era só o anúncio do horror que se pronunciaria.
Do rombo da cabeça do Glauber, uma massa começou a despontar. Parecia ser seu cérebro, mas ele se mexia como um verme que nunca morre. A massa tomou a forma de uma boca, ou melhor, um orifício.
E, como se estivesse em busca de ar para respirar, a massa emitiu um som, gutural e abafado: MROOOK!
O corpo do Glauber se levantou e se jogou da janela.
Eu desmaiei.
Não consigo lembrar o que aconteceu depois. Quando acordei, a polícia já estava lá. Ainda confuso, eles me entregaram uma mochila. Mas não era minha. Eram as coisas do Glauber. Eles me perguntavam se eu podia identificar o que estava lá dentro. Então, eu vi. Entre folhas soltas e notas fiscais apagadas, um livro igualzinho ao que eu havia comprado no sebo de Ubatuba. Só que mais bem preservado, mais novo. Não entendi.
– Você acha que o Glauber pode ter se inspirado no livro?
– Isso importa?
– Não sei. Importa?... Gostaria que pensasse sobre isso. Você está progredindo bem. O trauma de presenciar a morte do Glauber é duro. Por isso, é importante ressignificar essa história. Mas é bom lembrar: algumas respostas podem ser mais perturbadoras do que o desconhecido. A sessão acabou por hoje.
O Fim.
Misericórdia, que final é esse?
Bom demais!!
Adorei! Enquanto relia a parte um na íntegra, chegando na história dos mini cérebros de laboratório, eu simplesmente resgatei uma memória sobre isso, que eu não sei o quanto é real ou sonho, mas sobre ter visto alguma notícia científica sobre avanços nesse campo, o que tornou tensa a minha leitura. Podia jogar no google e buscar isso obcecadamente, mas prefiro essa sensação. Foi uma ótima leitura!